AS MARCAÇÕES CASTANHAS (TAN) E A TIPICIDADE DO ROTTWEILER




                                                          Marcações corretas

                                                               
                                                             
                                                          Marcações não corretas 


         AS MARCAÇÕES CASTANHAS (TAN) E A TIPICIDADE DO ROTTWEILER

 

         Como todos os sistemas de regras, o padrão da raça rottweiler exige um razoável esforço de interpretação. As palavras podem ter vários sentidos e devem ser interpretadas levando em consideração o contexto em que estão inseridas.

Precisamos compreender o padrão rácico como um sistema de regras. A palavra sistema aqui é de grande relevância.

         Em nosso livro “Rottweiler, Estudos sobre o Padrão Oficial", da editora Lumen Juris, esta foi a nossa maior preocupação, tendo em vista também o abundante uso de expressões de conteúdo não muito determinado.

 Na verdade, em sentido amplo, tudo tem de ser interpretado em nossa vida. Conhecer e interpretar, eis uma das árduas, mas gratificantes, tarefas do ser humano em sua breve existência.

Aqui, nos interessa avaliar a importância das cores do rottweiler para a sua indispensável tipicidade. Evidentemente, o padrão rácico é que nos fornece as características morfológicas básicas para que possamos considerar um cão com sendo da raça rottweiler. Sem tipicidade, não há raça canina. O que diz o padrão oficial a respeito da cor do rottweiler?

Para melhor entendimento sistemático do leitor, vamos transcrever todas as passagens do padrão oficial da nossa raça, elaborado pelo clube alemão conhecido como ADRK, adotado pela federação internacional (FCI), e de tradução homologada pela nossa confederação pátria (CBKC). Tal texto foi alterado no ano de 2018, tendo como objetivo principal combater a nefasta tendência de tornar o rottweiler um cão muito molossóide.

No preambulo do citado padrão, dentro do item intitulado “Breve Resumo Histórico”, encontramos o seguinte texto, sobre o que aqui nos interessa: “A criação do Rottweiler pretende um cão forte, preto com marcações em marrom avermelhado, claramente definidas ...”

Ao depois, ao cuidar da pelagem do rottweiler, o padrão exige o seguinte: “COR: Preta, com marcações bem definidas numa rica coloração de castanho (tan) nas faces, focinho, garganta, peito e pernas, bem como acima dos olhos e sob a raiz da cauda”.

Mais adiante, ao explicitar as faltas (não graves), o padrão pune as “marcações com coloração errada, não claramente definidas ou muito extensas”.

O item “faltas graves” nada dispõe sobre a cor e marcações do rottweiler (sic)!

Entretanto, no final do seu texto, o mencionado padrão oficial da raça declara expressamente ser falta DESQUALIFICANTE, os rottweilers “que não apresentam as cores preto com marcações castanhas (tan) típicas do Rottweiler. Marcas brancas” (todos os grifos são nossos).

Estas são as regras que estão a merecer uma interpretação lógica e sistemática, tudo em prol da não descaracterização da raça. Não se trata de gostar ou não do que está dito no padrão oficial, mas sim de bem definir as características físicas, básicas e indispensáveis do rottweiler. Se cada um criar segundo seu gosto pessoal, a raça canina irá desaparecer ...

Mesmo tendo o preâmbulo do padrão falado em “marrom avermelhado”, conforme transcrito acima, vale a pena examinar o sentido mais preciso da “cor tan” e sua origem.

Em rápida e superficial pesquisa, encontramos: “A cor ‘tan’ é um tom claro de marrom, também conhecido como bege ou castanho claro. Seu nome deriva do processo de curtimento de pele dos animais (tanning), que utiliza casca de carvalho (tannum) para transformar o couro”. Para muito mais detalhes, inclusive técnicos, vejam o site da Wikipedia, na internet.

Cabe agora, apresentar a nossa interpretação de tudo o que ficou transcrito acima, buscando tornar o mais preciso a cor do rottweiler. A toda evidência, não há maiores indagações sobre a exigência de que o cão tenha a cor preta de fundo, sob pena de atipicidade.

Talvez o mesmo não se possa dizer da expressão “marcas brancas”, pois não há qualquer referência ao tamanho ou extensão destas marcas brancas. Acho que aqui teremos de ser rigorosos e desqualificar qualquer marca branca, independente de sua dimensão ou local do corpo do cão. Cabe também aqui uma expressão muito comum no campo do Direito que reza: “onde o texto não distingue, não cabe ao intérprete distinguir”, pois, neste caso, ele estaria legislando ...

De qualquer forma, não consideramos como “marcas brancas” a existência de alguns poucos pelos descoloridos, com menor pigmentação.

Desta forma, a nossa maior atenção passa a ser as chamadas marcações da cor marrom “tan”. Vamos então buscar um sentido mais lógico e seguro para uma melhor aplicação das regras do padrão oficial da nossa raça canina.

Tais marcações, que outorgam tipicidade ao rottweiler, devem ser consideradas em dois aspectos: dimensão (tamanho) e coloração (cor).

Consoante acima transcrito, ao final do item introdutório, sob o título “Breve Resumo Histórico”, o padrão oficial da raça exige que o rottweiler tenha a cor preta, com marcações em marrom avermelhado, claramente definidas. Nada obstante, várias regras do mesmo padrão exigem a cor “castanho (tan). Aqui já encontramos um problema de interpretação ...

Como vimos, a expressão “tan” significa a cor marrom claro, para muitos, castanho claro ou bege. Entendo que estas regras devem prevalecer sobre aquela parte introdutória e genericamente descritiva da nossa raça. Julgo que a regra que especificamente descreve a tipicidade do padrão e aquela outra que cuida da sua desqualificação têm maior “força normativa”.

Desta forma, a referência a “marrom avermelhado” serve como uma “regra de tolerância”, afastando uma suposta atipicidade do rottweiler. Evidentemente, é muito difícil precisar, com palavras, as várias tonalidades que as diversas cores possuem. Aqui também cabe adotar o chamado “princípio da razoabilidade”, tão invocado no cenário jurídico. Evidentemente, seriam inadmissíveis marcações brancas, por exemplo...

Assim, chegamos à conclusão de que as corretas marcações do rottweiler devem ter a cor castanho claro, admitindo-se pequena variedade de tonalidade, como a referida “avermelhada”.

Tal pequena variedade de tonalidade deve ser um dos muitos critérios de desempate nas exposições de conformação ao padrão e beleza.

Notem que a regra, que dispõe sobre a gravidade das faltas, ainda que não expressamente previstas no texto do padrão, tem pertinência aqui, embora esta falta da cor das marcações não afete a saúde ou o bem estar do cão. Assim, dispõe a regra aqui invocada: “Qualquer desvio dos termos deste padrão deve ser considerado como falta e penalizado na exata proporção de sua gravidade e seus efeitos na saúde e bem-estar do cão” (os grifos são nossos).

A gravidade das indevidas marcações do rottweiler deve ser aferida pela sua proximidade à falta de tipicidade, que levaria à desqualificação da respectiva raça canina (tonalidades extremadas).

Interessante notar que o padrão fala apenas uma vez em tipicidade e o faz nesta regra sobre as marcações “tan” do rottweiler. Isto se justifica porque a ideia de tipicidade está ínsita na própria existência de um padrão rácico. Assim, um cão todo preto, sem marcações “tan”, jamais será um rottweiler, assim como um cão marrom não será um rottweiler, ainda que possua todas as demais características elencadas no padrão rácico.

Resta examinar a extensão e os locais das marcações próprias do rottweiler.

Em relação aos locais do cão, que devem possuir tais marcações, não parece existir grande problemas de interpretação, na medida em que eles são expressamente elencados no padrão oficial, conforme regra já transcrita.

A toda evidência, pequeno deslocamento de uma marcação não terá maior significado em termos de tipicidade do rottweiler. Tudo deve ser avaliado dentro dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Tratamos disso em nosso livro acima citado.

Já o exame da extensão das marcações não se apresenta muito fácil, na medida em que o padrão oficial nada dispõe sobre o tamanho das exigidas marcações. Exige, entretanto, que elas sejam bem definidas, ou seja, limites das marcações claramente definidos. Destarte, os princípios de hermenêutica que acabamos de referir, também neste particular, podem ter alguma utilidade interpretativa.

Julgamos que esta questão possa ser melhor solucionada, principalmente no caso concreto, se juntarmos, para efeito de avaliação, a tonalidade de marcação com a sua extensão, podendo uma até compensar pequeno defeito da outra.  Uma marcação mais extensa pode ser pior do que uma menor mais evidente ou clara, e vice-versa, por exemplo. Ademais, seria arbitrário exigir uma quantidade específica de centímetros para esta ou aquela marcação.

Assim, será um rottweiler típico (desculpe a redundância) se as suas marcações forem percebidas a uma distância média (por exemplo, dez metros) em local de não muita luminosidade. Em outras palavras, o cão deve ser visto como um rottweiler, pelas suas marcações, ainda que não muito próximo e com claridade precária.

A toda evidência, esta nossa sugestão carece de critérios técnicos ou científicos. Entretanto, buscamos uma forma prática para suprir lacunas do texto do padrão oficial da raça. O intérprete não pode fazer milagres e a sua criatividade tem limites ...

         Concluo com uma observação pessoal: os criadores devem combater uma nefasta tendência de escurecimento das marcações que dão tipicidade ao rottweiler. Nós mesmos, no desejo de lograr algumas outras boas características para a prole, tivemos a última ninhada com exemplares com marcações não muito claras ou definidas, como deseja o texto do padrão.

 

Rio de Janeiro, verão de 2025/2026

Afranio Silva Jardim, criador da cães de raça há 26 anos.

 

         

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