O DESENHO DA CABEÇA DO ROTTWEILER E A DISCRICIONARIEDADE DEIXADA PELO SEU PADRÃO OFICIAL
O padrão da raça oficial
descreve as características da cabeça do rottweiler de forma bem detalhada,
inclusive quando menciona as suas faltas morfológicas em tópico próprio.
Em vários capítulos do
meu livro “Rottweiler, Estudos sobre o Padrão da Raça”, Editora Lumen Iuris, 4ªedição,
cuido de examinar tais características e sua relevância em relação à indispensável
tipicidade da raça. Abordo, em textos autônomos, especificamente tudo que se
insere na cabeça de um rottweiler.
Agora, nossa reflexão
tem objeto e escopo diferentes, como se verá abaixo. Aqui, não desejo retratar
a cabeça do rottweiler segundo o seu padrão, mas desejo demonstrar que ele não
a desenha de forma precisa, deixando um indesejável espaço para a
discricionaridade na sua apreciação, mormente em relação ao desenho, formato ou
estilo do crânio.
Enquanto alguns padrões
rácicos são mais precisos em relação ao formato ou desenho da cabeça, o padrão
do rottweiler deixa muitas dúvidas sobre esta relevante parte corporal.
Por exemplo, o dogue
alemão, raça que também crio há 25 anos, deve ter um crânio e um focinho ambos no
formato de paralelepípedos, paralelos. Pouca dúvida fica em face desta
descrição. Tal precisão não se extraí do padrão do rottweiler.
Não resta dúvida de que
o nosso padrão descreve as características que a cabeça do rottweiler deve ter,
de forma quase que exaustiva, como disse acima. Entretanto, peca por ausência de
precisão. Esta imprecisão sobre o formato da cabeça e, principalmente, do crânio
decorre da utilização de expressões de conteúdo não determinado.
Assim, no referido
padrão rácico, encontramos, por exemplo, expressões como: relativamente,
moderadamente, muito protuberante, bem desenvolvido, não muito profundo. Já no
tópico das faltas, encontramos as imprecisas palavras, em relação à cabeça do
rottweiler: muito estreita, leve, muito curta, longa, pesada, excessivamente
molossóide, etc.
Como um intérprete
atento, percebo que o padrão deseja, em quase tudo, o importante equilíbrio de
caraterísticas, mormente na cabeça do rottweiler. Moderação é a ideia principal
do padrão. Ele não deseja nenhum dos costumeiros exageros que encontramos na
criação pátria, decorrentes de apelos mercadológicos. Entretanto, isto diz
pouco em relação ao desenho, ao formato da cabeça do rottweiler: como deve ser
o seu crânio? Que formato se extrai da conjugação deste crânio com o focinho?
Desta forma, temos um
amplo espaço de discricionariedade para as avaliações dos criadores e dos
juízes cinófilos. Certo é que todo juízo de valor, todo julgamento tem grande
dose de subjetividade, mormente quanto ao objeto de conhecimento, através de
nossos falhos sentidos. Entretanto, tal indesejável subjetividade é aumentada,
de forma exponencial, quando a regra a ser aplicada se apresenta imprecisa para
o intérprete e seu aplicador ao caso concreto.
Ninguém há de duvidar de
que esta ampla discricionariedade, abrindo espaço para o chamado “gosto pessoal”,
leva à grande insegurança para um melhor
juízo de tipicidade, inerente à própria ideia de raça. Juízes cinófilos julgam
de forma distinta e criadores projetam seus filhotes com fenótipos distintos.
Isto pode levar à descaracterização da raça ...
Importante notar, na prática,
que esta indesejável discricionariedade se apresenta até mesmo quando o padrão
não a permite, quando ele é absolutamente objetivo, concreto e preciso. Exemplo:
o padrão exige que o focinho do rottweiler não seja mais curto do que quarenta
por cento do comprimento da cabeça do cão. O focinho não deve ser ascendente ou
descendente.
Entretanto, cães, com estes defeitos morfológicos,
são premiados nas exposições de
conformação e beleza, sendo bem valorados por alguns poucos criadores e muito compradores.
Tudo isto avulta em face
de uma certa distorção na avaliação de determinadas raças caninas, qual seja,
supervalorização das cabeças, em detrimento das características do restante do
corpo, tal como ocorre principalmente com o rottweiler.
Maravilhado por uma cabeça de seu gosto pessoal, lógico que dentro do padrão, o juiz cinófilo não dá a mesma relevância ao exame da linha superior do cão, da profundidade do seu peito, das suas angulações, do seu arqueamento de costelas, formato e inserção do pescoço, inserção da cauda, paralelismo de seus membros anteriores e posteriores, etc. Assim, infelizmente, muitas injustiças são concretizadas ...
Lamentavelmente, esta é
a realidade com a qual temos que conviver, até que o nosso padrão rácico seja
modificado para melhor especificar o desenho, modelo, formato ou estilo da
cabeça do rottweiler. Até lá, muitos debates e discórdias teremos pela frente.
Em nosso livro supra
mencionado, após sustentar que “a cabeça do rottweiler não é braquicéfala, sendo
mais próxima dos cães mesaticéfalos (índice cefálico intermediário, cabeça de
comprimento moderado e largura sem ser exagerada), devendo ter um formato que
fique entre a cabeça lupóide (forma de pirâmide) e a cabeça molossóide (cúbica
e esférica). Por isso, fala-se em cabeça hipomolossóide” (p.116 da 4ª.edição).
Desta maneira, em outra oportunidade, achei razoável dizer que a cabeça do rottweiler, deve ter um formato aproximado de uma espécie de triângulo isósceles. Nada obstante, como a cana nasal e a trufa não devem ser finas, talvez possamos melhor dizer que ela mais se parece com uma caricatura da figura geométrica chamada de trapézio isósceles. Isto se opõe, de algum modo, a um crânio em forma de cuia e muito arredondado. Entretanto, diz o padrão que, "vista de perfil, a linha da testa é moderadamente arqueada", o que impede que o "stop seja muito pronunciado". Confesso que aqui estou procurando adequar o meu gosto pessoal às regras do padrão oficial da raça rottweiler, dentro do campo de discricionariedade que apontamos neste breve texto.
De qualquer forma, o
salutar debate está posto e se perpetuará enquanto o padrão rácico não for modificado
para, sendo mais preciso, reduzir ao mínimo a discricionariedade de seu
intérprete.
Outono de 2025
Afranio Silva Jardim,
criador de raças caninas há 25 anos.
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