OS OLHOS DO ROTTWEILER

 

 Como não poderia deixar de ser, esta nossa breve reflexão sobre os olhos do rottweiler tem como única referência o padrão oficial da raça, alterado no ano 2018, e homologado pela F.C.I e pela nossa Confederação Brasileira de Cinofilia.

        O referido padrão foi objeto de um nosso  longo estudo interpretativo, que consta do livro de nossa autoria, agora em terceira edição, editado pela Lumen Juris, intitulado “Rottweiler, Estudos sobre o Padrão Oficial”.

           Naquela oportunidade, analisamos todos os aspectos morfológicos do rottweiler, de forma mais genérica e abrangente. Ao depois, venho elaborando breves textos sobre as principais características da nossa raça. Estes estudos vão sendo inseridos nas novas edições da referida obra.

            Agora, chegou a vez de examinarmos, com mais atenção, os olhos do rottweiler.

            Como se sabe, uma das maiores dificuldades de quem opera com textos escritos é a sua correta interpretação, mormente quando, no texto, encontramos palavras de sentido não muito determinado, vale dizer, termos genéricos e de sentido dúbio ou impreciso, exigindo do intérprete uma postura mais subjetiva, que está sempre mais sujeita a influência de fatores vários.  

           Este indesejável, mas inevitável subjetivismo, precisa ser mitigado por alguns métodos da hermenêutica e pela sua explicitação. Importante saber como o intérprete chegou a este ou àquele resultado na sua exegese.

            Como dissemos alhures, o padrão oficial da raça rottweiler se utiliza de várias expressões de conteúdo indeterminado, como, por exemplo,  “moderadamente”, se referindo à largura do crânio, “médio”, se referindo ao tamanho das orelhas, etc. 

            Entretanto, no que diz respeito aos olhos o padrão rácico excede; usa muitas expressões de sentido indeterminado. Daí a dificuldade do intérprete, dos criadores e dos juízes cinófilos de tornar mais objetivo e preciso como devem ser os olhos do rottweiler. O padrão é que nos dá a tipicidade do cão e sem tipicidade não há raça canina.

            Para minimizar este subjetivismo, podemos levar em consideração, em nosso processo interpretativo, a sempre invocada regra extraída do próprio padrão oficial que dispõe: “Faltas: qualquer desvio do termo deste padrão deve ser considerado como falta e penalizado na exata proporção de sua gravidade e seus efeitos na saúde e bem-estar do cão”.

          Assim, há faltas que não estão expressamente nomeadas ou elencadas no padrão oficial da nossa raça e sua penalização deve levar em consideração a sua gravidade e/ou a sua influência na saúde e bem estar do cão. Mesmo as faltas explicitadas no padrão devem ser submetidas a esta análise.

           Ademais, há faltas que não afetam a saúde e o bem estar do cão, mas colocam em risco a própria tipicidade do cão, com maior ou menor gravidade, muitas das quais o padrão achou por bem torná-las explícitas. Esta regra do padrão pode ser usada também para hierarquizar as faltas, mormente aquelas não expressas.

            Vamos então examinar o que está dito no padrão rácico com relação aos olhos do rottweiler, que abaixo vai transcrito:

 

“Olhos: Tamanho médio, amendoados, de cor marrom profundo. Pálpebras bem ajustadas”.

 

Para que tenhamos uma visão de conjunto e possamos fazer interpretações sistemáticas, transcrevemos as faltas não graves e as faltas desqualificantes. Importante notar que a reforma de 2018 não coloca nenhum defeito dos olhos como falta grave. Vale dizer, pelo padrão, o defeito ou é falta leve ou é desqualificante.

 

(Faltas tidas como não graves). Diz o padrão: “Olhos: Claros, inserção profunda. Também muito cheios e redondos. Pálpebras caídas”

 

(Faltas desqualificantes). “Olhos: entrópio, ectrópio, olhos amarelos, olhos de cores diferentes”

 

           Após uma visão de conjunto, percebe-se que, em relação aos olhos do rottweiler, duas preocupações principais permeiam todo o padrão rácico: 1) a saúde e o bem estar do cão; 2) a busca de uma estética específica (tipicidade). Isto está expresso naquela regra interpretativa do padrão rácico que acima transcrevemos.

            Em relação à primeira preocupação, temos a exigência de “pálpebras bem ajustadas”, punição leve de “pálpebras caídas” e as desqualificantes “entrópio” e “ectrópio”. Estes defeitos afetam a saúde e o bem estar do cão.

 

           Já com relação à preocupação estética, encontramos, no padrão, as seguintes exigências: olhos de “tamanho médio, amendoados, de cor “marrom profundo”. Aparecendo como falta leve (não grave) os olhos “claros, “inserção profunda, muito cheios e redondos”. Como faltas desqualificantes, o padrão menciona os “olhos amarelos” e “olhos de cor diferentes”.

           Julgo difícil estabelecer uma hierarquia entre estas faltas morfológicas no rottweiler, salvo a hierarquização que o próprio padrão estabelece. Entretanto, difícil não significa impossível... A lógica deve estar sempre presente...

           Primeiro, entendo que são mais graves as faltas da mesma hierarquia estabelecida pelo padrão que podem influir na saúde e bem estar do cão, sendo isto considerado como critério de desempate. As “faltas estéticas” devem ser menos censuradas, pois decorrem de meras convenções humanas. Exemplo: olhos claros concorrendo com pálpebras caídas.

         Em termos interpretativos, parece-nos que as faltas desqualificantes não apresentam grandes dificuldades, pois o padrão aqui não usa termos de “conteúdo indeterminado”. Todos sabemos o que seja entrópio, ectrópio, olhos amarelos ou de cores distintas.

         Dificuldade maior vamos encontrar nas faltas leves, ou seja, auferir o que seja, principalmente, “olhos claros” e, com menor dificuldade, saber quando estamos diante de olhos com “inserção profunda” ou “olhos cheios e redondos”. O mesmo se diz em relação às exigências de olhos de cor “marrom profundo”, “tamanho médio” e “amendoados”.

         Na falta de um elemento comparativo para sabermos o exato sentido dos “olhos médios”, entendo que devamos levar em consideração o tamanho e formato da cabeça do rottweiler, que também deve ser proporcional ao seu corpo. Um mesmo olho pode ser considerado grande em uma cabeça pequena e pequeno em uma cabeça grande. O corpo do rottweiler é um sistema anatômico e não dispensa o equilíbrio de suas proporções e harmonia entre suas partes.

           De certa forma, isto que acabamos de dizer pode ser considerado para, no caso concreto, avaliarmos se determinados olhos têm inserção profunda, falta não grave pelo comentado padrão da raça rottweiler.  Segundo nos parece, também são indesejáveis olhos arregalados, saltados e cheios, mais próprios da cabeças braquicéfalas.

         Já a exigência de olhos amendoados não apresenta maiores dificuldades de interpretação, na medida em que o padrão rácico pune como falta os olhos redondos e cheios.

         Resta refletir sobre a cor dos olhos do rottweiler, problema maior de interpretação.

          Como vimos, o padrão oficial deseja que os olhos do cão seja “marrom profundo”, sendo falta leva (não grave), os olhos claros. Por outro lado, os olhos “amarelos” são previstos como falta desqualificante. 

            Por analogia, recurso usado para suprir lacunas normativas, olhos azuis, verdes e outras cores que se apresentem extremamente claras devem ser consideradas faltas também desqualificantes. 

           Vamos por exclusão: todos sabemos o que seja a cor amarela, nada obstante a possibilidade de variação em sua tonalidade. A maior dificuldade reside em sabermos a gradação da cor marrom e, comparativamente, o que seriam olhos claros (falta não grave).

            Desde logo, mitigamos a relevância desta questão, na medida em que a cor dos olhos do rottweiler não afeta a saúde e o bem estar do cão. A tipicidade também não resulta prejudicada, salvo se os olhos forem amarelos, por expressa dicção do padrão rácico. Também a tão citada regra de interpretação, inicialmente transcrita, pode nos ajudar ao mencionar que a punição de uma falta também deve ser proporcional, vale dizer, deve considerar sua gravidade.

          Em pesquisa que fizemos, encontramos alguns estudos acadêmicos asseverando que a tonalidade mais clara dos olhos do cão não decorre de genes malignos, letais ou que devam ser combatidos pela ciência e pelos criadores da nossa raça.

   Relevante notar que a grande maioria das espécies de lobos, senão a sua totalidade, possuem olhos bem claros ... Chegamos aos olhos escuros, na maioria das raças caninas, por uma seleção não natural, por convenção estética e opção humana, através acasalamentos por nós selecionados.

   De qualquer forma, estamos sempre presos ao padrão da nossa raça e ele deseja olhos “marrom profundo” e diz ser falta não grave olhos claros. Em sites especializados, encontramos gradações da cor marrom dos olhos que podem nos ajudar nesta questão. Entretanto, tais demonstrativos não têm força normativa geral, exclusiva do padrão homologado pela FCI e pela nossa CBKC.

    Julgo que possamos afirmar que nem todos os olhos do rottweiler que não tenham a cor “marrom profundo” sejam, automaticamente, olhos claros. Entendo que todos os olhos de cor marrom não são olhos claros. A verdadeira tonalidade marrom é incompatível com a ideia de olhos claros. Embora não sejam marrom profundo, podem ser marrons em suas várias tonalidades. Aqui deve ser considerada, para critério de mero desempate, a intensidade da desconformidade com a exigência feita pelo padrão. 

Notem, ainda, que olhos pretos ou negros não estão em estrita conformidade com o padrão, mas evidentemente não são olhos claros (falta leve) e nem marrons.  Não afetando a saúde e o bem estar do cão, neste caso, seria uma tonalidade indesejável, que não deve ser buscada pelo criador, sendo apenas critério de desempate nos julgamento pelos juízes cinófilos (falta levíssima???).  A nosso ver,  olhos claros, seriam os olhos cinzentos, esverdeados, (mutações improváveis), etc. Estes, sim, não sendo marrons, seriam falta leve (não grave).

 Por derradeiro, julgo relevante asseverar que o principal destinatário das regras dos padrões canino é o criador das várias raças, que deve a elas ser fiel cumpridor e defensor, sob pena de a raça restar descaracterizada.

  Relevante, outrossim, considerar a importância dos julgamentos dos juízes cinófilos nas exposições oficiais, pois seus julgamentos servem de referência para os melhores criadores. Formam uma espécie da jurisprudência a ser considerada no mundo cinófilo.

  Concluo que toda e qualquer interpretação não pode abrir mão da boa lógica e da busca de uma maior objetividade possível, minorando o subjetivismo inerente a todo e qualquer julgamento ou avaliação. Para tanto, devemos ter sempre presente que o nosso padrão permite uma espécie de hierarquização das faltas morfológicas através da tutela da saúde e bem estar do cão e da sua tipicidade (gravidade da falta), isto quando esta hierarquização não venha expressa no próprio texto do padrão oficial.

 

Rio de Janeiro, primavera de 2024

Afranio Silva Jardim, titular o Canil Jardim Silva, há 24 anos.          Mestre e Livre-Docente em Direito. Professor Associado da Uerj (aposentado). Membro do Ministério Público do E.R.J, (aposentado). Escritor .

 

 

 

 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog