OS OLHOS DO ROTTWEILER
O referido padrão foi objeto de um
nosso longo estudo interpretativo, que
consta do livro de nossa autoria, agora em terceira edição, editado pela Lumen Juris,
intitulado “Rottweiler, Estudos sobre o Padrão Oficial”.
Naquela oportunidade, analisamos
todos os aspectos morfológicos do rottweiler, de forma mais genérica e
abrangente. Ao depois, venho elaborando breves textos sobre as principais
características da nossa raça. Estes estudos vão sendo inseridos nas novas
edições da referida obra.
Agora, chegou a vez de examinarmos,
com mais atenção, os olhos do rottweiler.
Como se sabe, uma das maiores
dificuldades de quem opera com textos escritos é a sua correta interpretação,
mormente quando, no texto, encontramos palavras de sentido não muito
determinado, vale dizer, termos genéricos e de sentido dúbio ou impreciso,
exigindo do intérprete uma postura mais subjetiva, que está sempre mais sujeita
a influência de fatores vários.
Este indesejável, mas inevitável
subjetivismo, precisa ser mitigado por alguns métodos da hermenêutica e pela
sua explicitação. Importante saber como o intérprete chegou a este ou àquele
resultado na sua exegese.
Como dissemos alhures, o padrão
oficial da raça rottweiler se utiliza de várias expressões de conteúdo
indeterminado, como, por exemplo, “moderadamente”, se referindo à largura do
crânio, “médio”, se referindo ao tamanho das orelhas, etc.
Entretanto, no que diz respeito aos
olhos o padrão rácico excede; usa muitas expressões de sentido indeterminado.
Daí a dificuldade do intérprete, dos criadores e dos juízes cinófilos de tornar
mais objetivo e preciso como devem ser os olhos do rottweiler. O padrão é que
nos dá a tipicidade do cão e sem tipicidade não há raça canina.
Para minimizar este subjetivismo,
podemos levar em consideração, em nosso processo interpretativo, a sempre
invocada regra extraída do próprio padrão oficial que dispõe: “Faltas:
qualquer desvio do termo deste padrão deve ser considerado como falta e
penalizado na exata proporção de sua gravidade e seus efeitos na saúde e
bem-estar do cão”.
Assim, há faltas que não estão
expressamente nomeadas ou elencadas no padrão oficial da nossa raça e sua
penalização deve levar em consideração a sua gravidade e/ou a sua influência na
saúde e bem estar do cão. Mesmo as faltas explicitadas no padrão devem ser
submetidas a esta análise.
Ademais, há faltas que não afetam a
saúde e o bem estar do cão, mas colocam em risco a própria tipicidade do cão,
com maior ou menor gravidade, muitas das quais o padrão achou por bem torná-las
explícitas. Esta regra do padrão pode ser usada também para hierarquizar as
faltas, mormente aquelas não expressas.
Vamos então examinar o que está dito
no padrão rácico com relação aos olhos do rottweiler, que abaixo vai
transcrito:
“Olhos: Tamanho
médio, amendoados, de cor marrom profundo. Pálpebras bem ajustadas”.
Para que tenhamos uma
visão de conjunto e possamos fazer interpretações sistemáticas, transcrevemos
as faltas não graves e as faltas desqualificantes. Importante notar que a
reforma de 2018 não coloca nenhum defeito dos olhos como falta grave. Vale
dizer, pelo padrão, o defeito ou é falta leve ou é desqualificante.
(Faltas tidas como não
graves). Diz o padrão: “Olhos: Claros, inserção
profunda. Também muito cheios e redondos. Pálpebras caídas”
(Faltas
desqualificantes). “Olhos: entrópio, ectrópio, olhos
amarelos, olhos de cores diferentes”
Após uma visão de conjunto,
percebe-se que, em relação aos olhos do rottweiler, duas preocupações
principais permeiam todo o padrão rácico: 1) a saúde e o bem estar do cão; 2) a
busca de uma estética específica (tipicidade). Isto está expresso naquela regra
interpretativa do padrão rácico que acima transcrevemos.
Em relação à primeira preocupação,
temos a exigência de “pálpebras bem ajustadas”, punição leve de “pálpebras
caídas” e as desqualificantes “entrópio” e “ectrópio”. Estes defeitos afetam a
saúde e o bem estar do cão.
Já com relação à preocupação
estética, encontramos, no padrão, as seguintes exigências: olhos de “tamanho
médio, amendoados, de cor “marrom profundo”. Aparecendo como falta leve (não
grave) os olhos “claros, “inserção profunda, muito cheios e redondos”. Como
faltas desqualificantes, o padrão menciona os “olhos amarelos” e “olhos de cor
diferentes”.
Julgo difícil estabelecer uma
hierarquia entre estas faltas morfológicas no rottweiler, salvo a
hierarquização que o próprio padrão estabelece. Entretanto, difícil não
significa impossível... A lógica deve estar sempre presente...
Primeiro, entendo que são mais
graves as faltas da mesma hierarquia estabelecida pelo padrão que podem influir
na saúde e bem estar do cão, sendo isto considerado como critério de desempate.
As “faltas estéticas” devem ser menos censuradas, pois decorrem de meras convenções
humanas. Exemplo: olhos claros concorrendo com pálpebras caídas.
Em termos interpretativos, parece-nos
que as faltas desqualificantes não apresentam grandes dificuldades, pois o
padrão aqui não usa termos de “conteúdo indeterminado”. Todos sabemos o que
seja entrópio, ectrópio, olhos amarelos ou de cores distintas.
Dificuldade maior vamos encontrar nas
faltas leves, ou seja, auferir o que seja, principalmente, “olhos claros” e,
com menor dificuldade, saber quando estamos diante de olhos com “inserção
profunda” ou “olhos cheios e redondos”. O mesmo se diz em relação às exigências
de olhos de cor “marrom profundo”, “tamanho médio” e “amendoados”.
Na falta de um elemento comparativo
para sabermos o exato sentido dos “olhos médios”, entendo que devamos levar em
consideração o tamanho e formato da cabeça do rottweiler, que também deve ser
proporcional ao seu corpo. Um mesmo olho pode ser considerado grande em uma
cabeça pequena e pequeno em uma cabeça grande. O corpo do rottweiler é um
sistema anatômico e não dispensa o equilíbrio de suas proporções e harmonia
entre suas partes.
De certa forma, isto que acabamos de
dizer pode ser considerado para, no caso concreto, avaliarmos se determinados
olhos têm inserção profunda, falta não grave pelo comentado padrão da raça
rottweiler. Segundo nos parece, também são
indesejáveis olhos arregalados, saltados e cheios, mais próprios da cabeças
braquicéfalas.
Já a exigência de olhos amendoados não
apresenta maiores dificuldades de interpretação, na medida em que o padrão rácico
pune como falta os olhos redondos e cheios.
Resta refletir sobre a cor dos olhos
do rottweiler, problema maior de interpretação.
Como vimos, o padrão oficial deseja que os olhos do cão seja “marrom profundo”, sendo falta leva (não grave), os olhos claros. Por outro lado, os olhos “amarelos” são previstos como falta desqualificante.
Por analogia, recurso usado para suprir lacunas normativas, olhos azuis, verdes e outras cores que se apresentem extremamente claras devem ser consideradas faltas também desqualificantes.
Vamos por exclusão:
todos sabemos o que seja a cor amarela, nada obstante a possibilidade de
variação em sua tonalidade. A maior dificuldade reside em sabermos a gradação
da cor marrom e, comparativamente, o que seriam olhos claros (falta não grave).
Desde logo,
mitigamos a relevância desta questão, na medida em que a cor dos olhos do
rottweiler não afeta a saúde e o bem estar do cão. A tipicidade também não
resulta prejudicada, salvo se os olhos forem amarelos, por expressa dicção do
padrão rácico. Também a tão citada regra de interpretação, inicialmente
transcrita, pode nos ajudar ao mencionar que a punição de uma falta também deve
ser proporcional, vale dizer, deve considerar sua gravidade.
Em pesquisa que
fizemos, encontramos alguns estudos acadêmicos asseverando que a tonalidade
mais clara dos olhos do cão não decorre de genes malignos, letais ou que devam
ser combatidos pela ciência e pelos criadores da nossa raça.
Relevante notar que a grande maioria das
espécies de lobos, senão a sua totalidade, possuem olhos bem claros ...
Chegamos aos olhos escuros, na maioria das raças caninas, por uma seleção não
natural, por convenção estética e opção humana, através acasalamentos por nós
selecionados.
De qualquer forma, estamos sempre presos ao
padrão da nossa raça e ele deseja olhos “marrom profundo” e diz ser falta não
grave olhos claros. Em sites especializados, encontramos gradações da cor
marrom dos olhos que podem nos ajudar nesta questão. Entretanto, tais
demonstrativos não têm força normativa geral, exclusiva do padrão homologado
pela FCI e pela nossa CBKC.
Julgo que possamos afirmar que nem todos os olhos do rottweiler que não tenham a cor “marrom profundo” sejam, automaticamente, olhos claros. Entendo que todos os olhos de cor marrom não são olhos claros. A verdadeira tonalidade marrom é incompatível com a ideia de olhos claros. Embora não sejam marrom profundo, podem ser marrons em suas várias tonalidades. Aqui deve ser considerada, para critério de mero desempate, a intensidade da desconformidade com a exigência feita pelo padrão.
Notem, ainda, que olhos pretos ou negros não estão em estrita conformidade com o padrão, mas evidentemente não são olhos claros (falta leve) e nem marrons. Não afetando a saúde e o bem estar do cão, neste caso, seria uma tonalidade indesejável, que não deve ser buscada pelo criador, sendo apenas critério de desempate nos julgamento pelos juízes cinófilos (falta levíssima???). A nosso ver, olhos claros,
seriam os olhos cinzentos, esverdeados, (mutações improváveis), etc. Estes, sim, não sendo marrons,
seriam falta leve (não grave).
Por derradeiro, julgo relevante asseverar que
o principal destinatário das regras dos padrões canino é o criador das várias
raças, que deve a elas ser fiel cumpridor e defensor, sob pena de a raça restar
descaracterizada.
Relevante, outrossim, considerar a importância dos julgamentos dos juízes cinófilos nas exposições oficiais, pois seus julgamentos
servem de referência para os melhores criadores. Formam uma espécie da
jurisprudência a ser considerada no mundo cinófilo.
Concluo que toda e qualquer interpretação não
pode abrir mão da boa lógica e da busca de uma maior objetividade possível,
minorando o subjetivismo inerente a todo e qualquer julgamento ou avaliação.
Para tanto, devemos ter sempre presente que o nosso padrão permite uma espécie
de hierarquização das faltas morfológicas através da tutela da saúde e bem
estar do cão e da sua tipicidade (gravidade da falta), isto quando esta
hierarquização não venha expressa no próprio texto do padrão oficial.
Afranio Silva Jardim, titular o Canil Jardim Silva, há 24 anos. Mestre e Livre-Docente em Direito. Professor Associado da Uerj (aposentado). Membro do Ministério Público do E.R.J, (aposentado). Escritor .
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