O ROTTWEILER E O DOGUE ALEMÃO DEVEM SER CONSIDERADOS CÃES DO TIPO MOLOSSO?

 

A expressão “molosso” está ligada à Molóssia, parte de uma antiga região que se chamava “Epiro”, hoje localizada na parte ocidental da Grécia, segundo pesquisa histórica. Lá teria se tornado popular um cão extremamente robusto e pesado, usado como guarda de rebanhos, sendo ele chamado de “Molossus”.

O veterinário e biólogo Jean Pierre Mégnin, no século XIX, criou uma classificação das raças caninas, muito aceita no mundo acadêmico e na cinofilia em geral. Com base na Lupoide (Spitz); 2) Braccoide (Sabujos); 3) Graioides (Lebrel); 4) Molossoides (Molossos).

Importante ressaltar que as classificações são úteis para sistematizar o nosso conhecimento, sempre partindo do gênero, como “tronco” comum de suas várias espécies. É uma forma de sistematizar o pensamento e não apenas uma questão terminológica, semântica.

Dito isto, percebe-se que o dado mais relevante para a classificação foi o formato da cabeça do cão. Entretanto, este não é o único elemento que serve para a distinção dos tipos das raças caninas.

Aqui tudo é controvertido e polêmico, o que não nos tira o estímulo para enfrentar a questão, conforme abaixo se fará.

Levando em consideração a média do que está posto nos dias atuais, ouso dar também a minha modesta contribuição na enumeração das características principais do tipo canino conhecido como molosso.

Entretanto, é relevante salientar que o molosso não apresenta apenas uma destas características nem exige a simultaneidade de todas elas. Entendo que as características da cabeça devem ser as mais consideradas na classificação, pois delas devem decorrer, em alguma medida, as demais caraterísticas que apontamos.

Julgo que o molosso deve apresentar uma cabeça braquicéfala, com crânio mais largo do que o seu comprimento. Deve ter focinho curto e quase sempre arrebitado. Suas mandíbulas se apresentam extremamente poderosas, o que pode levar a algum prognatismo. Ainda sobre a cabeça, cabe perceber olhos redondos e salientes, tendo, geralmente, orelhas grandes e pendentes, com algumas peles soltas e enrugadas na cabeça.

Tendo uma cabeça “pesada”, o molosso normalmente terá um pescoço curto e grosso, com barbelas.  Sua frente tende a ser muito larga com arqueamento de costelas muito acentuado (em forma de barril), o que pode diminuir a sua profundidade de peito. O cão molosso, não sendo cão de explosão e velocidade, geralmente não tem angulações acentuadas em seus membros posteriores.

Tudo isto torna este tipo canino mais aderente ao solo, retardando a alteração de sua posição estática para a dinâmica, própria dos cães de tração e imprópria para a melhor movimentação dos cães mais ágeis e com maior facilidade para ultrapassar obstáculos (cães de guarda e proteção).

Ora, basta uma leitura atenta e sistemática do padrão oficial da raça rottweiler para se constatar que as mais relevantes características do molosso são repudiadas expressamente, sendo falta grave o rottweiler “muito molossóide e de aparência geral pesada”.

Vejam ainda o que o citado padrão dispõe sobre a cabeça, pescoço e demais componentes do fenótipo do rottweiler, sempre em oposição ao tipo molosso. Em meu livro intitulado “Rottweiler, Estudos sobre o Padrão Oficial”, Editora Lumen Juris, 4ª. edição, analiso todos os detalhes do padrão oficial, propondo uma hierarquia das faltas morfológicas da nossa raça canina.

Certo ser importante que o cão molosso deva apresentar uma estrutura óssea mais robusta, o que é desejável no rottweiler. Entretanto, o molosso, pelas características acima elencadas, deve ser um cão mais “brevilíneo” e não “longilíneo”. Assim, o tamanho do cão também não é decisivo para o seu reconhecimento ou não como molosso...

No rottweiler, tudo deve ser equilibrado e proporcional. Nada deve ser extremado, ficando sempre no “meio termo” entre as dimensões próprias do citado tipo canino, daí as controvérsias e a dificuldade do seu enquadramento.

Atualmente, surgiu um “modismo”, de cunho comercial, que busca transformar o rottweiler em um cão extremado, com crânio excessivamente largo, com focinho curto e arrebitado, com pescoço curto e grosso, frente mais larga e atarracado. Por isso, é sumamente importante não reconhecer o rottweiler como um cão molosso.

Não sendo assim, este deletério modismo acabará por descaracterizar a raça rottweiler, tudo ao arrepio do padrão oficial da raça, que foi alterado em 2018, justamente para combater esta nociva tendência.

Como criador também da raça dogue alemão, há vinte e cinco anos, não podemos deixar de afirmar que, mais do que o rottweiler, esta esplêndida raça gigante, jamais poderá ser considerada como molosso. Basta ver a descrição do formato de seu crânio, focinho e pescoço, constante do padrão oficial da raça dogue alemão, que abrange as suas variedades de cor. 

O padrão do dogue alemão é expresso em exigir uma cabeça "alongada" e "estreita", com focinho do mesmo tamanho do crânio. Ademais, este mesmo ato normativo pede expressamente olhos "com formato amendoado" e pescoço "longo, seco, musculoso, não devendo ser curto ou grosso", tendo ainda a linha da nuca arqueada. Tudo isto é incompatível com as características básicas do cão molosso.

Note-se que, no dogue alemão, a nefasta tentativa de descaracterizar a raça é de longa data e não se trata mais de um modismo comercial. Trata-se de uma rebeldia deliberada em desrespeitar o padrão oficial da FCI, principalmente por alguns canis de alguns países europeus, brutalizando o dogue alemão, tornando-o um cão grosseiro, tosco e, por vezes, até mesmo grotesco. Desrespeito este que vem lamentavelmente se expandindo para outros continentes. 

O padrão é a "lei máxima" da raça canina. Ele é que permite a manutenção da raça. Se cada um criar segundo o seu gosto pessoal, as raças desaparecerão. Sem tipicidade, não há raça canina.

Para fins científicos ou acadêmicos, não é decisivo o fato de a FCI e a CBKC colocarem as raças rottweiler e dogue alemão no grupo dois. Este enquadramento visa à apresentação dos cães em exposições de conformação e beleza e se utiliza também de vários outros critérios morfológicos e funcionais.

 Rio de Janeiro, inverno de 2025.

 Afranio Silva Jardim, criador de raças caninas há 25 anos. Professor Universitário, jurista e escritor.

Obs. As fotos são do meu rottweiler Strauss Kanto do Jardim Silva (22 meses) e do meu do alemão dourado Darwin Bruce Great Giant Gardem (14 meses).

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