CÃES DE GUARDA OU
PROTEÇÃO NÃO PRECISAM SER VELOCISTAS
De há muito venho criticando um costume que se estabeleceu em
alguns tipos de exposições caninas de beleza e conformação, mormente nas exposições
especializadas de cães classificados como de guarda e proteção (raça rottweiler,
por exemplo).
Refiro-me à exigência de
alguns juízes cinófilos de impor aos cães uma longa e muito acelerada
movimentação.
Em sociedade, é natural uma certa acomodação das pessoas ao
que está fixado como um costume, como uma tradição. No fundo, todos e todas
temos algo de conservador em nossa formação. Tudo o que é novo cria certos e
compreensíveis receios.
Mesmo os portadores de
uma importante consciência crítica se acostumam com as práticas reiteradas, até
porque sabem das dificuldades e dos ônus de procurar mudá-las.
Nada obstante, na natureza e na sociedade,
nada é estático e tudo, algum dia, se transforma e, no futuro, será alterado e modificado.
Mesmo uma perspectiva utópica tem muita
relevância, pois nos motiva a caminhar, a não nos acomodarmos, ou seja, evitar
uma estagnação comportamental que nos faria levar uma vida repetitiva e medíocre.
O novo é instigante e necessário.
Desta forma, continuamos motivados para reiterar críticas a
uma verdadeira “lenda urbana”, qual seja, a de que os cães classificados como
de guarda e proteção devem ser avaliados pelos juízes cinófilos através de uma
verdadeira “correria desenfreada”.
Julgo
aqui que a categoria de cães de trabalho pode ser concebida como gênero de cães
funcionais de guarda e proteção.
O argumento mais comum para esta deletéria exigência é que,
após cansado, o cão cederia um pouco a sua linha superior, vale dizer, dorso,
lombo e garupa. Tal constatação seria um fator de demérito do animal, uma falta
a ser considerada no julgamento.
Ao menos, esta é a principal
justificativa reinante entre juízes e os criadores da raça rottweiler, que ora
estou criando. Cabe aqui refletir e questionar esta frágil premissa.
Inicialmente, creio que se supervaloriza esta possível falta, desviando
o juiz cinófilo de uma melhor hierarquização das faltas morfológicas elencadas
no padrão rácico. Por exemplo: uma linha superior cedida, em razão de uma
acelerada e longa movimentação, acaba sendo mais desvalorada do que igual defeito
apresentado no “stay” do cão. Isto pode ocorrer até pela própria dinâmica das exposições
especializadas: convence mais aquilo que é visto por último...
Ademais,
outros aspectos relevantes decorrentes da movimentação do cão acabam menos
observados ou considerados, como a maior dificuldade de respiração, a postura
do seu pescoço, o alcance e harmonia das passadas, etc.
Acho até que a maior
velocidade do trote pode disfarçar algumas destas faltas (o cão, em velocidade,
jamais irá “camelar”, por exemplo).
Relevante
salientar que outros questionamentos são também pertinentes:
1) Por que um cão de guarda ou proteção precisa
ser um resistente velocista? O fila brasileiro é um cão de guarda e tem uma movimentação
bastante lenta;
2) Em segundo lugar, o padrão da raça não exige
tal prática. O padrão oficial do rottweiler apenas censura “ação lenta durante
o trote”;
3) o cão que estiver sendo apresentado por um “handler”
que não seja um velocista, ficará concreta e seriamente prejudicado. Vale
dizer, o melhor cão do mundo não sairá vencedor se o seu apresentador não tiver
as mesmas condições físicas dos outros “handlers”, o que é um absurdo!
4) A
dinâmica desta longa e acelerada correria torna difícil uma observação mais
precisa pelo juiz cinófilo, seja pela grande quantidade de cães a serem observados
simultaneamente, seja pela distância dele em relação aos animais, seja pela
compreensível, mas prejudicial, aproximação dos outros handlers e seus cães
mais velozes.
Importante notar, por derradeiro, que a movimentação em círculo não permite melhor examinar o necessário paralelismo entre os membros do cão, sua imprescindível harmonia, a firmeza de seus carpos e metacarpos, bem como impede o exame do tipo de rastro deixado pelo trote do animal.
Termino este breve e superficial texto, fazendo votos que as exposições especializadas da raça rottweiler se tornem mais uma oportunidade de exames técnicos, sérios e harmoniosos de nossos cães e menos um “show” estridente, onde se projetam as vaidades dos vários segmentos da cinofilia.
Inverno de 2025
Afranio Silva Jardim,
criador de cães de guarda e companhia há 25 anos. Professor Universitário e
autor de livro sobre o padrão da raça rottweiler.
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