Mais uma vez, nos
debruçamos sobre o padrão oficial da raça rottweiler, que foi modificado no ano
2018.
Comentamos sistematicamente
este padrão em nosso livro publicado pela Editora Lumen Iuris. Ao depois, como
fazemos agora, passamos a detalhar aspectos do padrão rácico, através de breves
estudos, que foram compor os vários capítulos da referida obra, como ocorrerá
com esta pequena reflexão.
Correndo o risco de
algumas repetições, vamos examinar o que diz o padrão da raça rottweiler sobre
as comissuras labiais, salientando que tudo, em termos de criação, deve partir
do que está disposto naquele diploma adotado pela CBKC, nossa máxima entidade
cinófila nacional.
Os criadores têm que
interpretar o que está disposto no padrão oficial e lhe dar fiel aplicação,
sempre buscando a tipicidade da raça rottweiler. Repito, reiteradamente, que
sem tipicidade não há raça canina e o padrão de cada raça é que descreve suas características
morfológicas e de temperamento.
Temos observado uma
certa descaracterização do rottweiler, que está se tornando um cão “muito
molossóide e de aparência geral pesada”, nada obstante o padrão das raças pune
como falta grave estas distorções. Estou travando uma “verdadeira batalha”
contra esta deletéria tendência.
Acresce que esta crescente
tendência vem acompanhada de outras distorções no fenótipo dos rottweilers,
além de poder afetar a saúde e o bem estar do animal, valores expressamente protegidos
pelo mencionado padrão da nossa raça.
Já demonstramos, em
outros textos, que o cão com cabeça pesada (braquicéfalo ou com índice cefálico
próximo) acaba por exigir um pesco mais curto e mais grosso, com grandes e
pendentes barbelas, violando o que está dito expressamente no padrão. Este tipo
de cabeça (crânio excessivamente largo entre as orelhas) quase sempre vem
acompanhada de comissuras labiais próprias de outras raças.
Falaremos, primeiramente,
sobre como o padrão da raça rottweiler exige as suas comissuras labiais. Aqui,
não existe grande dificuldade de interpretação, embora os juízes não tenham
dado ao tema maior relevância nas exposições de beleza. Sempre saliento a
importância destes julgamentos para a melhoria da criação em nosso país.
Expressamente e
textualmente, o padrão da raça rottweiler exige “lábios ajustados” e “comissura
labial não visível (fechada)”. Coerentemente, o padrão prevê, mais adiante, como
falta “os lábios pendulosos” e “comissuras labiais visíveis”.
Desta forma, é mais do
que indesejável, é falta prevista, literalmente, no padrão da raça rottweiler, ter
o cão alguma pele, cartilagem ou outra substância orgânica transbordando os
limites de sua boca, de seus maxilares. Como foi dito, a comissura labial não
pode ser visível!!!
A toda evidência, não se
trata, em princípio, de falta grave ou desqualificante. Entretanto, temos sustentado
que uma falta leve muito extremada ou um conjunto de faltas não graves pode levar
à descaracterização da raça, comprometendo a sua tipicidade. Vejam os dois
primeiros capítulos da minha citada obra, “Rottweiler, Estudos sobre o Padrão Oficial”,
editora Lumen Juris.
Mais complicada é a
interpretação do padrão oficial da nossa raça em relação às proibidas barbelas
no pescoço. Nele, encontramos uma certa
contradição, talvez decorrente de enxertos tópicos feitos pela reforma de 2018.
Na sua redação original,
o padrão descrevia o pescoço do rottweiler como “seco, sem barbela (pele solta)”.
Entretanto, a aludida reforma de 2018 introduziu, nesta regra, a expressão “excessiva”.
Então, agora, alguma barbela no pescoço pode ter o rottweiler, desde que não em
maior dimensão.
O problema é que, ao dispor sobre as faltas, o
padrão não sofreu o mesmo acréscimo e pune a simples existência de barbelas (sic)!!! ou “peles soltas na garganta”
A dificuldade de uma
correta interpretação surge quando constatamos que a mencionada reforma do
padrão acrescentou, dentro das faltas graves, a penalidade ao cão que possuir “barbela
nítida” ...
A minha formação de intérprete
das regras jurídicas me leva a tentar compatibilizar estas três normas
aparentemente contraditórias do padrão rácico. Vale o princípio de que há um
sistema de regras e nele não se pode admitir normas inúteis ou contraditórias,
havendo mecanismos hermenêuticos para salvar a lógica interna do sistema.
Assim, chegamos à conclusão
de que a questão relativa à barbela do cão não se limita ao seu tamanho, mas
deve ser considerada também a sua quantidade (muitas barbelas).
Diante disso, podemos
admitir: 1) barbela não excessiva não é falta, embora indesejável; 2) mais de
uma barbela, ainda que não excessivas, deve ser considerada falta não grave, já
que o padrão usa as expressões no plural (barbelas e peles soltas no pescoço);
3) barbela ou barbelas excessivas são punidas como falta grave, considerando “nítidas”
as barbelas de maior dimensão.
Lógico que ainda caberá
ao intérprete extrair o exato sentido destas expressões de “conteúdo não
determinado”. Para tanto, deve buscar o que podemos chamar de “espírito do
padrão”, buscando socorro na categoria “tipicidade” e se valendo dos “princípios
da razoabilidade e da proporcionalidade”, tão utilizados pela Teoria do
Direito.
Por derradeiro, vale a advertência
supra: uma falta, ainda que leve, levada ao extremo pode descaracterizar raça,
violando a sua tipicidade. Isto também pode ocorrer se nos deparamos com inúmeras
faltas leves, criando uma certa dúvida se estamos ou não diante de um
rottweiler. Mais uma vez, remetemos o leitor aos dois primeiros capítulos do
nosso referido livro, publicado em mais de uma edição
Afranio Silva Jardim,
criador de cães há 24 anos (raças dogue alemão e rottweiler), Professor Universitário
– UERJ (aposentado). Membro do Ministério Público (aposentado).
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