A TIPICIDADE CANINA COMO
INSTRUMENTO RELEVANTE PARA INTERPRETAÇÃO DO PADRÃO RÁCICO.
Quase tudo que vamos
dizer, neste breve texto, pode ser aproveitado para o estudo dos padrões de inúmeras
raças de cães. Entretanto, nosso foco principal será o padrão oficial da raça
rottweiler.
Aqui, trata-se de buscar
métodos e instrumentos lógicos para dar maior racionalidade à interpretação de
um determinado sistema de regras e normas que é o padrão da raça rottweiler,
elaborado pelo clube alemão ADRK, homologado pela FCI e pela nossa CBKC.
Importante salientar que
tal padrão foi modificado em 2018, com o escopo de censurar o rottweiler “muito
molossóide de aparência geral pesada” (faltas graves).
No primeiro capítulo do
nosso livro “Rottweiler, estudos sobre o padrão oficial”, recentemente
publicado pela Editora Lumen Juris, procuramos sistematizar e hierarquizar as faltas a serem
combatidas nos rottweilers, fazendo interpretações lógicas do texto do padrão
rácico. Agora, vamos particularizar alguns aspectos desta hermenêutica.
Uma regra do citado padrão tem especial importância. Ela tem a seguinte redação, e consta também dos padrões de outras raças caninas:
“Qualquer
desvio dos termos deste padrão deve ser considerado como falta e penalizado na
exata proporção de sua gravidade e seus efeitos na saúde e bem-estar do cão”.
Por esta regra, podemos
concluir:
1 )Existem
faltas que não estão especificamente elencadas no padrão, bastando que o cão
não esteja em conformidade com as características exigidas;
2)As faltas elencadas no padrão não podem ser desconsideradas pelo intérprete ou aplicador do padrão rácico, bem como a sua gravidade mínima;
3))A gravidade das faltas não explicitadas no padrão rácico deve ser aferida tendo
em vista o potencial dano à saúde e bem estar do rottweiler (abaixo acrescento a tipicidade);
4)Tal
critério de aferição deve valer também para as faltas explicitadas, vale dizer,
a gravidade pode ser ainda maior tendo em vista o “tamanho” da falta, que torna
ainda mais provável o dano à saúde e ao bem-estar do cão.
Como visto, é muito
importante hierarquizar as faltas e o texto do padrão nos dá os critérios
interpretativos, inclusive, para as faltas não especificadas expressamente.
Entretanto, acreditamos
que outro instrumento de interpretação do padrão deve ser considerado: a
tipicidade da raça. Explicamos abaixo.
Julgo podermos definir a
tipicidade canina como sendo o especial fenótipo de uma determinada espécie
canina, decorrente de sua conformidade com o conjunto das características que
outorgam ao animal uma peculiar imagem e temperamento, distinguindo-o de outros
modelos de cães.
Assim, a presença de faltas no rottweiler, por si só, não o descaracteriza, não lhe tira a tipicidade. Sequer a gravidade da falta pode, por si só, descaracterizar o exemplar.
Exemplos do que estamos explicando: um rottweiler com movimentação lenta no trote não deixa de ser um rottweiler,
bem como não perde a sua tipicidade o rottweiler que tiver a pele intensamente enrugada
em sua cabeça. Tudo isto é falta grave pelo texto do padrão, mas não retira a
tipicidade do exemplar canino.
Vale dizer, a falta de tipicidade (atipicidade) decorre de uma falta ou de um conjunto de faltas que retiram do cão o fenótipo característico de uma raça. Assim, um conjunto de faltas leves pode tirar a tipicidade do cão, como a grandeza de uma falta também pode, sendo aqui irrelevante a saúde ou o bem estar do animal.
Diante destas premissas,
podemos concluir, por exemplo, que uma pequena desobediência à altura do
rottweiler não lhe retira a tipicidade, nem será falta grave na medida em que
não afeta a sua saúde e o seu bem-estar. Será falta sim, mas não
desqualificante. (notem que o padrão não prevê expressamente a altura como
falta).
Nenhuma interpretação
deve ser aceita se ela nos outorga um resultado ilógico, não razoável. A interpretação
deve buscar uma racionalidade sistêmica. Nenhum texto pode ser considerado como
um rígido dogma, mas sim como algo em construção. No caso, um rottweiler típico
(expressão até redundante!!!).
Claro que se poderia objetar, dizendo que a mensuração do tamanho do rottweiler é muito subjetivo. Sem dúvida que é, mas qualquer interpretação é subjetiva, qualquer avaliação é subjetiva, todo julgamento é subjetivo ... Caberia ao texto do padrão ser mais preciso e claro, melhor definindo suas regras ...
Entretanto, se o cão
tiver a altura, por exemplo, de quarenta centímetros da cernelha ao chão, não
será um rottweiler!!! Outro exemplo: um cão de pelagem toda marrom não será um
rottweiler, ainda que tenha todas as demais características do padrão.
Vale a pena apresentar mais
um exemplo de atipicidade, que engloba não só a tipicidade como a saúde e bem estar do cão: o
exemplar que tenha um focinho diminuto, com apenas certa de vinte e cinco por
cento (1/4) de toda a cabeça. Neste caso, o indivíduo poderá ser um Pug ou um Boxer,
mas jamais poderá ser considerado em rottweiler.
Notem que o padrão
rácico, em momento algum, se refere expressamente à tipicidade da raça. A
explicação é fácil e lógica: a tipicidade é inerente ao próprio padrão. O
padrão é quem determina a raça; o padrão dispõe sobre a tipicidade, dando as
características básicas e determinantes de uma raça. Não há raça canina sem tipicidade
fornecida pelo respectivo padrão.
Desta forma, a interpretação das regras de conteúdo indeterminado do padrão (moderadamente, muito pronunciado, intensamente, etc) deve levar em consideração não só a saúde e bem estar do cão, mas também a tipicidade da raça rottweiler.
Trata-se de uma categoria a ser usada na interpretação do texto que define a nossa raça.
Afranio Silva Jardim, titular
do Canil Jardim Silva, com 24 anos de cinofilia.
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